Nasci e cresci na beira de praia, e os três meses de férias eram sempre passados a um quarteirão de casa – da areia para o mar, do mar para a areia. A família, com três filhos de idades próximas, não tinha casa fora e nem condições financeiras para alugar uma casa de campo. O meu contato com o verde era praticamente zero, tirando algumas palmeiras ao longo do calçadão e a vegetação que cobre o Morro Dois Irmãos.
Foi só aos 20 e poucos anos de idade que vim a descobrir a magia das plantas. Morava na Inglaterra nessa época, era março, primavera no Hemisfério Norte. Ao sair de uma aula da minha pós-graduação em Linguística, desci a rua e dei de cara com uma grande árvore no jardim de uma das outras faculdades da Universidade de Londres, tomada de flores em tons de branco e rosa, lindíssima. Fiquei extasiada! Foi quase uma experiência mística! Descobri que era uma magnólia (Magnolia soulangeana) e jurei para mim mesma que, no dia que tivesse uma casa própria, plantaria uma magnólia no meu jardim…
Magnolia soulangeana
A magnólia com que tudo começou. Foto: Vitoria Davies
Essa experiência me levou a passar muitos anos estudando e aprendendo sobre plantas, jardinagem (como autodidata), marcando ponto em chácaras nos fins de semana, dando pitaco nos jardins de amigos – mas sempre como hobby, porque, nessa altura, eu já tinha uma profissão.
Seis meses depois de descobrir a magnólia, surgiu a oportunidade de comprarmos uma casa com um jardim na frente, com sol – perfeito para a minha árvore! – e um outro pequeno nos fundos, de meia-sombra, sem gramado ou planta alguma, apenas com uma velha pereira. Na primeira semana já plantei minha pequenina muda de magnólia no jardim da frente.
Minha magnólia em 1985, já mais crescida. Foto: Vitoria Davies
Minha magnólia já adulta, em 2019. Foto: Vitoria Davies
Nos meses seguintes me dediquei ao jardim nos fundos da casa, estudando tudo sobre jardins de meia-sombra, solo, como plantar grama (em semente, porque mais barato…) etc. Para isso, fui à melhor livraria na época comprar um livro e, depois de analisar vários, escolhi The Small Garden, de um tal de John Brookes – claro que eu não o conhecia, era um mundo novo para mim; mal sabia que ele tinha revolucionado o conceito de paisagismo na Grã-Bretanha nos anos 60… Virou a minha bíblia, e foi com essa ajuda que criei meu primeiro jardim 35 anos atrás, de forma um tanto amadora, mas com direito a gramado, canteiros, plantas que dariam uma cor ao jardim mesmo no inverno, trepadeiras (Clematis; roseira trepadeira), treliça para frutífera (loganberry, um híbrido de framboesa com amora) e, como não poderia faltar na casa de uma brasileira, uma rede… Foi o início do que, algumas décadas depois, viria a ser minha segunda profissão.
Jardim nos fundos, com o loganberry crescendo sobre a treliça. Foto: Vitoria Davies
Mantive-me fiel à profissão original – no campo das letras, das palavras – por bastante tempo, até que as sementes plantadas pela magnólia começaram a dar frutos... Percebi que, por mais que amasse as palavras, seria mais feliz ainda com as plantas. E vi até uma certa analogia entre esse dois tipos de “língua”, uma vez que, a partir de elementos finitos (plantas, materiais), pode-se criar infinitas construções paisagísticas, com combinações que devem levar em conta seus aspectos morfológicos, fisiológicos, estéticos - assim como nas línguas, em que, com elementos finitos (as palavras) é possível gerar um número infinito de frases, conforme apontou Chomsky, linguista que revolucionou a Linguística do século XX.
Sou muito grata à magnólia, tenho uma relação especial com ela, e cada vez que a vejo em flor, me emociono, revivo o nosso primeiro encontro, as sementes que esse encontro plantou no meu caminho e o reencontro, muitos anos depois, através do paisagismo, com esse meu grande amor verde…
Vitoria Davies
Obs.: Adaptado de artigo que escrevi para o blog Papo de Paisagista em 2019.
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